terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Quando o sono chega


"Então o levou para fora, e disse: Olha agora para o céu, e conta as estrelas, se as podes contar; e acrescentou-lhe: Assim será a tua descendência. E creu Abrão no Senhor, e o Senhor imputou-lhe isto como justiça. Disse-lhe mais: Eu sou o Senhor, que te tirei de Ur dos caldeus, para te dar esta terra em herança. Ao que lhe perguntou Abrão: Ó Senhor Deus, como saberei que hei de herdá-la? Respondeu-lhe: Toma-me uma novilha de três anos, uma cabra de três anos, um carneiro de três anos, uma rola e um pombinho. Ele, pois, lhe trouxe todos estes animais, partiu-os pelo meio, e pôs cada parte deles em frente da outra; mas as aves não partiu. E as aves de rapina desciam sobre os cadáveres; Abrão, porém, as enxotava. Ora, ao pôr do sol, caiu um profundo sono sobre Abrão; e eis que lhe sobrevieram grande pavor e densas trevas." (Gênesis 15:5-12)

Sempre considerei essa passagem intrigante. Sempre tive a certeza de que havia um significado profundo na narração do que aconteceu neste momento da vida de Abraão.

Me lembrei de situações da minha infância, normalmente relacionadas a filmes de televisão que eu insistia em querer assistir, mesmo que eles começassem tarde da noite. A televisão anunciava a semana inteira a apresentação do filme e eu contava os dias. Quando o dia chegava, eu contava as horas. Finalmente era hoje e eu mal podia esperar. Meus colegas de escola também estavam empolgados, sabia que esse seria o assunto da manhã seguinte. Me deitava confortavelmente no colo de meu pai e aguardava o momento. Apenas mais algumas horas. Então algo inesperado acontecia. Começava a sentir um terrível sono, sono de quem acordava cedo todos os dias, sono que ameaçava os planos da semana inteira! Lutava contra ele com confiança, na certeza de que podia vencer, não queria perder aquele filme por nada! Na maioria das vezes, porém, o cansaço me abatia minutos antes do filme começar. Despertava após algum tempo e percebia que estava deitada em minha cama, meu pai me carregara até lá, e o filme já havia acabado. Odiava aquela sensação!

Essa história de Abraão me fez sentir algo semelhante. Me fez ponderar se existem momentos assim em nossa caminhada com Deus.

A primeira vez que ouvimos a voz de Deus e recebemos uma promessa da Sua parte é um momento mágico! Passamos a semana inteira, meses inteiros pensando naquilo, relembrando cada palavra e uma excitação cresce dentro de nós. "Deus tem planos pra mim!", pensamos, "Grandes planos!". Nos sentimos especiais, nossa vida ganha sentido, expectativas enchem nossos corações! Acredito que foi assim que Abraão se sentiu ao ouvir a voz do Senhor anos antes. Ele havia recebido grandes promesas de Deus, ele, um homem insignificante, idoso, sem filhos e casado com uma mulher estéril. "Uma grande nação!" Imagino quão grande não foi sua excitação ao ouvir tais palavras, as melhores notícias que já recebera em toda a sua vida, e vindas da boca de Deus! Imagino quantas noites Abraão passou sem dormir relembrando o que ouviu, quantos dias olhando o céu e imaginando, sonhando com o que Deus lhe dissera. Imagino sua excitação ao partir de Harã em direção às promessas que recebeu. Abraão era a imagem de um homem determinado e cheio de expectativas no coração.

Nessa passagem, porém, encontramos Abraão exatamente dez anos depois daquele momento. Dez anos caminhando por um deserto, dez anos enfrentando fome, sede, calor, frio e morte. A expectativa da promessa que recebeu parecia começar a escapar dos seus olhos. De repente aquela convicção que o fez sair tão resolutamente de Harã já não era tão presente e ele começava a acreditar que morreria sem descendência, que a promessa havia falhado. Afinal, por que até agora Deus não lhe havia dado filhos já que foi Ele mesmo quem prometeu? Aquele era um momento delicado para Abraão e Deus sabia disso.

Vemos Deus então fazer coisas incríveis nesse momento. Ao levá-lo a olhar para o céu, Deus restaurou a expectativa que Abraão precisava ter no coração, reacendendo a imagem que havia morrido dentro dele. Em seguida resolveu dar-lhe um sinal que traria a certeza que ele precisava, um sinal que ele entenderia. Era a maneira que os homens do seu tempo firmavam aliança.

É nesse momento que vejo nessa passagem a mesma luta que nós enfrentamos. Após ter feito tudo o que Deus mandou fazer, Abraão esperava. Enquanto esperava, enxotava aves de rapina, abutres que vinham roubar e estragar a certeza daquele momento. Foi então que a tarde chegou, e, após muito esperar, Abraão foi vencido pelo sono, um sono acompanhado de pavor e densas trevas.

Acredito que chega um momento em nossas vidas em que nos encontramos como Abraão. Caminhamos durante anos carregando promessas em nossos corações, diligentemente nos preparando e alegremente aguardando o cumprimento delas a qualquer momento. O tempo passa e passamos a lutar contra abutres, a resistir às vozes que insistem em nos dizer que talvez o que ouvimos nunca aconteça, que Deus mudou de idéia, que já é tarde demais ou que falhamos. Durante um longo tempo resistimos com todas as nossas forças, enxotamos aves de rapina e guardamos nosso coração, até que o inesperado acontece: o sono chega.

O que fazer quando o sono chega? Uma vontade não de desistir das promessas, mas de dormir, de parar de lutar, de acordar apenas quando tudo tiver passado e os planos de Deus finalmente estejam a ponto de se cumprir. É possível? Teríamos essa alternativa?

Esses dias tenho pensado se Deus prepara momentos de descanso para nós. Momentos em que Ele deseja que cessemos todas as nossas atividades e simplesmente descansemos nele, enquanto O observamos cumprir em nós aquilo que prometeu. Paramos de lutar contra os abutres, paramos de trabalhar e simplesmente dormimos. Não um descanso vigilante, mas um sono profundo, uma completa ausência de atividade.

Essa idéia não nos agrada muito. Durante todo esse tempo temos sido ensinados a lutar, a prosseguir, a pressionar para o alvo. A apatia que sentimos quando dormimos, longe de nos trazer descanso, é como pavor e densas trevas. Sentimo-nos perder tudo o que trabalhamos até agora, toda a disciplina, as longas horas de leitura e meditação, de dedicação à oração, sentimo-nos mergulhados em um sono profundo e isso nos apavora.

Abraão deve ter sentido o mesmo. Caiu em sono profundo após anos de espera e apavorou-se. E agora? Quem enxotaria os abutres? Viria Deus e o encontraria dormindo? E as promessas que há tanto tempo esperava? Sobreviveriam ao seu sono?

Me consola saber que Deus o encontrou no seu sono. Que enquanto Abraão dormia, Deus reafirmou a certeza dos Seus propósitos na sua vida. Que o seu cansaço e falta de forças pra continuar não fez com que Deus desistisse dos Seus planos para ele. As promessas continuavam de pé e provaram não ser mera ilusão da sua mente, pois o momento chegou em que tudo se cumpriu exatamente como Deus havia lhe falado.

Que dizer disso? Em minha caminhada tenho aprendido que Deus não brinca conosco naquilo que nos fala e que nenhuma palavra Sua deixou de se cumprir até agora. O que nos leva a crer que isso possa acontecer? Desde que estejamos dormindo em Seus braços, nossas promessas estarão seguras nele.

"Vinde a mim, todos os que estai cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo e leve." (Mateus 11:28-30)

"Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa. Porventura, tendo ele dito, não o fará? ou, havendo falado, não o cumprirá?" (Números 23:19)